Kraftwerk = Homem Máquina, semi ser humano – Homem Máquina, super ser humano – O Homem Máquina, máquina
Diariamente, ao redor do mundo, o uso da tecnologia no cotidiano do ser humano aumenta de alguma forma, e a interação entre homem e máquina, consequentemente, torna-se cada vez mais estreita.
Um dos inúmeros efeitos produzidos por esse fato, são as diversificadas reflexões de cunho ético que se desdobram a fim de investigar e propor os potenciais e rumos da relação entre a humanidade e a tecnologia. Nesse contexto, são levantadas perguntas de grande importância, como, por exemplo: “Existem limites no relacionamento entre um ser humano e um robô?”/”Quais tipos de Leis devem/podem ser criadas para o uso de inteligências artificiais?”/”Uma máquina pode se transformar numa ameaça social, econômica e psicológica?”, etc. Essas discussões caminham para vários lados e, naturalmente, divergem-se uma das outras e, conforme a presença da tecnologia se eleva, as reflexões a seu respeito, tendem apenas a aumentar.
Quando prestamos mais atenção em novidades e informações sobre o assunto, podemos perceber que muitas coisas que nos pareciam inimagináveis, já fazem parte do contexto da vida de muitas pessoas. Na cidade de Dubai, por exemplo, há um robô policial (obviamente com certas limitações, embora tenha funções notavelmente úteis) que trabalha em determinados estabelecimentos públicos.
Enquanto isso, em Cingapura, uma empresa chamada “nuTonomy” criou veículos autônomos, capazes de circular pelas ruas sem motoristas no volante. Na Nova Zelândia e em Santo André, já foram feitos testes para que drones entreguem pizzas. Talvez ainda mais incrível do que tudo isso, seja o fato de que, conforme o cientista Raymond Kurzweil relatou no documentário “Quanto Tempo o Tempo Tem?” que já existem até mesmo pâncreas computadorizados que são inseridos dentro do corpo humano para substituir o órgão natural.
Vemos, por intermédio destes exemplos acima compartilhados, que a presença da tecnologia no mundo, é maior do que pensamos e, conforme citado no início deste texto, ainda há muito o que se pensar e discutir em relação a este assunto que possui incontáveis desdobramentos. Particularmente, quando me deparo com temas como “futurismo” e “tecnologia”, logo o Kraftwerk me vem à mente, afinal, tais tópicos consistem numa grande parcela dos assuntos musicais abordados na carreira da banda, tanto no que diz respeito ao aspecto instrumental, quanto nas letras e, de maneira geral, em toda a estética do grupo.
A banda, em suas composições, não apenas expôs esses conteúdos, mas foi genialmente visionária ao apresentá-los numa época em eles eram encarados mais como ficção do que como realidade – parece, de certa forma, que o Kraftwerk “previu” o que estava por vir… E que outra banda fez isso de maneira tão qualificada e inovadora? Abaixo, compartilho com os leitores algumas reflexões que estabeleci a partir de um mergulho meditativo que fiz pela história da banda. Claro que há vários outros pontos a serem explorados e eu com certeza recomendo que leitor se aventure pelas zonas em que não passei. Enfim, vamos lá…
Nos dias de hoje, sabemos que os relacionamentos amorosos através das telas de celulares, tablets e computadores é uma realidade. Existem namoros virtuais que geram namoros reais, em “carne e osso” e também há relacionamentos que são levados muito a sério e restringem-se ao universo da internet. Nesse âmbito, há uma música do Kraftwerk chamada “Computer Love”, cuja letra faz uma descrição desse tipo de romance. Vejamos um trecho:
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Outra noite solitária, Olhando fixamente a tela da TV
Eu não sei o que fazer, Eu preciso de um encontro
Amor de computador, Amor de computador
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É curioso como nessas poucas palavras vistas acima, podemos perceber que a banda sintetizou muito bem a ideia de relacionamentos virtuais, algo que certamente não era tão esperado no início dos anos oitenta. A letra, de certa maneira, também expressa como esse tipo de relação pode ser fútil e vazia, afinal, ela parece surgir apenas para “tapar o buraco” de uma noite solitária e entediante – já alertava Bauman, que vivemos numa época de relações efêmeras… no tempo do “descarte”, dos relacionamentos de pouca duração…
Tempos “líquidos”. Mas, é válido mencionar que as relações amorosas existentes através do universo virtual chegam a ser encaradas como algo quase “ingênuo” quando consideramos, por exemplo, que já há incontáveis relacionamentos entre seres humanos e robôs e inteligências artificiais. Exemplos não faltam: em 2017, um engenheiro japonês casou-se com uma mulher-robô, chamada Yingying que ele próprio criou e fez até mesmo uma cerimônia para comemorar a união. Ainda no Japão, um dos investimentos que rendeu comentários é o desenvolvimento de uma inteligência artificial chamada “Gatebox Virtual Girlfriend”, que é uma espécie de figura humana diminuta e holográfica, presa dentro um suporte e que possui capacidade de interagir com seus compradores através de áudio e programações, podendo, dessa forma, estabelecer um relacionamento com os mesmos.
Há também o caso de uma jovem francesa chamada Lilly, que se denomina como sendo uma “robosexual orgulhosa” e que se apaixonou e assumiu um relacionamento com uma máquina chamada InMoovetor. Ela espera que, em breve, a França legalize o casamento entre robôs e seres humanos para poder, de uma vez por todas, oficializar sua união com o namorado.
E já que mencionamos os robôs, também se faz relevante citar que o Kraftwerk, ao longo de sua trajetória, fez várias referências em relação a esse assunto. Entretanto, o que acho muito interessante, é que não fica claro – ao menos para mim – se a banda, em suas menções aos robôs, estava se referindo às máquinas ou ao próprio ser humano imerso num (lamentável) processo de mecanização física e intelectual. Leiamos abaixo um trecho da música “The Robots”, um dos maiores sucessos da banda:
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Nós estamos funcionando automático, E estamos dançando mecânico
Nós somos os robôs, Nós somos os robôs
Nós somos os robôs, Nós somos os robôs
Ja tvoi sluga (=eu sou seu escravo), Ja tvoi Rabotnik robotnik (=eu sou seu trabalhador)
Nós estamos programados para fazer, qualquer coisa que você quiser
Nós somos os robôs
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Honestamente, acredito que a letra acima expresse uma reflexão que, ao menos nos dias de hoje, faz mais sentido se considerarmos que não está se dirigindo literalmente aos robôs, mas sim apresentando uma descrição do próprio ser humano que, infelizmente, em vários aspectos, aliena-se cada vez mais e assim, gradualmente, faz cada vez menos questionamentos acerca do mundo, deixa de filtrar as informações recebidas e tende a não pensar de maneira autônoma.
Vivemos num período no qual as massas se portam de uma forma similar, geralmente se comportando e “pensando” sempre “igual”: trata-se de um uma rebanho (conforme diria Nietzsche), composto por um gado lamentavelmente controlado por tradicionalismos e por instituições, e que vive acorrentado no fundo da caverna, moldando seu cotidiano através de padronizações que lhe são impostas e se quer questionadas e descontruídas.
O ser humano é um robô que é uma verdadeira “cria” das grandes instituições (Estado, Igreja e outras) e por isso, conforme a letra, esses seres terrivelmente mecanizados estão devidamente engrenados por seus “senhores”: “programados para fazer qualquer coisa que você quiser, nós somos os robôs”. Acredito que era sobre isso que o Kraftwerk estava falando. Fizeram uma triste previsão do drástico rumo da maior parte da humanidade.
Há ainda uma outra letra da banda que, embora seja muito curta, possui um conteúdo altamente significativo e que interpreto como sendo uma crítica ao estado de alienação social do homem perante a tecnologia. A música se chama “The Man-Machine”, cuja tradução significa “O Homem Máquina” e parece abordar a relação íntima – quase de fusão – existente entre o ser humano e as máquinas, cuja relação se tornou tão íntima e fundamental para a sobrevivência de certos indivíduos, que passamos a encontrar pessoas cujos comportamentos assemelham-se ao próprio funcionamento de máquinas (pessoas “programadas” e previsíveis – presas fáceis de serem controladas). E claro, não podemos nos esquecer do pior: assim como as máquinas não possuem capacidade de pensar, tais pessoas, também parecem perder essa condição. Analisemos essa letra em questão:
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Homem Máquina, semi ser humano
Homem Máquina, super ser humano
O Homem Máquina, máquina
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Outra faixa que apresenta uma letra muito notável é “Antenna”, na qual, aparentemente vemos um retrato de nosso mundo atual, no qual estamos constantemente captando e compartilhando informações cegamente, fato este que pode ser muito nocivo, caso não tenhamos competência suficiente para filtrá-las. É muito curioso como a letra dessa música captou com maestria a ideia da existência de um receptor e transmissor de informação, relação comunicativa amplamente debatida em nossos tempos. Leiamos:
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Eu sou o transmissor, Eu dou informação, Você é a antena, Captando vibração!
Os transmissores enviam imagem, som e linguagem
Eletromagneticamente a todas as cidades
Eu sou a antena, Captando vibração , Você é o transmissor, Dê informação!
Nós somos transmissores e receptores
…
Sim: muitos de nós são antenas ambulantes… parasitas estagnados e irreflexivos. Talvez, meros transmissores de informações que, por vezes, nem ao menos são verdadeiras (eis as tais das fake news) ou que são de extrema futilidade. Que papel, afinal, estamos assumindo na “Era da Informação” ? Há incontáveis outras músicas interessantes espalhadas na discografia do Kraftwerk, que são dignas de análise e que atuam como verdadeiras “portas de entrada”
para a reflexão. São letras nas quais encontramos conteúdos profundos e de cunho crítico, que definitivamente são merecedores de atenção, especialmente num período como este em que vivemos, no qual somos constantemente bombardeados por informações diversificadas, e no qual estamos cercados de aparatos tecnológicos que conquistam espaços cada vez maiores em nossas vidas. Penso que a vasta obra-prima deixada por esta grandiosa banda alemã, merece ser explorada a fundo, pois ela carrega muitas ideias e temas que certamente fazem com que repensemos a respeito de nossa própria existência.
Gosto de estilo deles