Em 1971, um quarteto de músicos praticamente anônimos gravou um discaço recheado de humor e transbordante criatividade. A ideia de “A Sociedade de grã-ordem kavernista apresenta sessão das dez” foi de Raul Seixas, na época produtor da gravadora CBS, que convocou seu conhecido da Bahia, Edy Star, e o capixaba Sérgio Sampaio. Em 1970, Sérgio havia acompanhado o músico Odibar em audição na CBS e ambos tornaram-se parceiros musicais e amigos.

Faltava uma mulher para completar o time e a escolhida foi Miriam Batucada, que era a mais conhecida do quarteto por suas participações em programas televisivos com sua habilidade de batucar com as mãos. Mesmo com várias letras censuradas, o disco saiu e foi distribuído para as rádios e jornais, mas depois de 15 dias foi recolhido pela gravadora CBS sem maiores explicações. O mito de que o disco foi recolhido porque foi gravado clandestinamente e sem conhecimento da gravadora já foi desmentido por Edy Star, único kavernista ainda vivo.

raul seixas
Edy Star (primeiro à esquerda), Raul Seixas (primeiro à direita), Sérgio Sampaio (acima) e Miriam Batucada (no centro) na época da gravação do álbum “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10” (fonte: UOL)

Nossos encontros eram normais. Algumas pessoas pensavam, e até hoje pensam, que éramos um tipo de sociedade secreta por causa do nome [risos]. Tem quem ache que éramos maçons. Era tudo sempre divertido. Não tinha machismo. Raul era um hetero casado, Sérgio era um hetero namorador, mas um cara mais do samba. Eu era essa bicha enlouquecida e solta na vida, e a Miriam era a fanchona do grupo [gíria para lésbica]” , Edy Star relembra as gravações do disco em entrevista ao portal UOL no ano passado.

Alguns discos lançados na época como Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles, e Freak out! (1966), da banda The Mothers of Invention, liderada por Frank Zappa, inspiraram o experimentalismo do quarteto. Se os gringos faziam a cabeça dos quatro, eles também misturaram música brega, jovem guarda, samba, baião e outros ritmos brasileiros.

Raulzito atravessava uma fase de ostracismo e compunha canções para outros artistas, como a cantora Diana e Jerry Adriani. Se a Philips era a casa dos medalhões da MPB, a CBS, onde Raul trabalhava com produtor, lançava discos de “uma linha mais zé povinho, era a fábrica de ilusões”, define Raul no documentário Dossiê Kavernista de Luiz de Magalhães. Sérgio Sampaio não se conformava em conviver com o vulcão criativo Raul Seixas meio adormecido e o incentivava à retomada de sua carreira de cantor e compositor.

Ouça “A sociedade de grã-ordem kavernista apresenta sessão das dez” (completo):

No disco, os dois baianos, um capixaba e uma paulista ironizam o nascente showbiz brasuca em seu principal centro, o Rio de Janeiro. Na faixa “Quero ir”, os músicos estão preparados para abandonar o Rio após o “fracasso”: “eu vou pra Bahia ou volto pra Cachoeiro de Itapemirim”, ou seja, Edy Star e Raulzito voltariam ao seu estado natal e o capixaba Sérgio Sampaio a Cachoeiro de Itapemirim, cidade natal de Sérgio e do rei da Jovem Guarda, Roberto Carlos.

Os dois baianos do quarteto, Edy e Raul, se conheciam há tempos, ainda adolescentes, os papos giravam em torno de rock e James Dean quando Raul era o presidente do Elvis Rock Club. Mais tarde, ambos se trombavam em suas andanças pelas rádios da capital baiana.

Depois do (semi) lançamento do disco, Raul permaneceu por pouco tempo em seu cargo na gravadora CBS e se desligou em 1972. O álbum ganhou diversas reedições ao longo dos anos, sendo a última em 2010 pela Sony Music.

No documentário Dossiê Kavernista, Edy Star relembra que um dos diretores da CBS passou um ríspido sermão sobre os possíveis motivos do fracasso do disco, “não fizemos nada, saímos de lá, fomos queimar um fumo e dar risada”.

raul seixas e sérgio sampaio
O disco “A sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das dez”, lançado em 1971

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